quinta-feira, 30 de agosto de 2012

nunca morei em lugar pequeno.



Minha mãe sempre me disse que eu trouxe sorte pra ela e meu pai. Quando eu nasci, ao lado do apartamento que meus pais moravam tinham acabado de construir uma casa. Era enorme, um pátio grande e cheia de árvores. Minha mãe, de vez em quando, ficava parada na sacadinha olhando ora pra ela, ora pra mim.

Quando eu estava com seis meses a casa mudou de donos. Quem a tinha construído resolveu ir pra outro lugar e, veja só, meus pais passaram da sacadinha para a casa de tijolo a vista. E daqui ainda não saímos. Eu amo esse lugar, assim como amo lugares abertos. Deitar na grama nas noites de verão para olhar as estrelas é uma sensação maravilhosa. Poder colher as frutinhas do pé, poder saborear as jabuticabas gigantes que todo ano tem, os pêssegos, laranjas, amoras, ameixinhas e as bergamotas docinhas, docinhas; rolar na grama e se encher de micuim, crescer e descobrir que micuim na realidade não existe (sim, fique pasmo você também!); subir na árvore para fugir do seu cachorro que é maior do que você; poder brincar de amarelinha, pega-pega, esconde-esconde e muitas outras brincadeiras.

 É verdade que minha mãe inúmeras vezes já falou que, assim que possível, quer vender "isso daqui" e ir pra um apartamento. Sem pátio. Sem árvores. Sem cachorro. Só com concreto, vidros e paredes. Quando era criança dizia a ela que, quando crescesse, não ia deixar ela vender a casa porque eu trabalharia e teria dinheiro para mandar arrumar toda ela, do jeitinho que a mãe quisesse. Quem sabe um dia ainda consigo cumprir minha palava e deixar ainda mais bonito esse lugar tão doce e tão rico de infância e alegria que é pra mim.

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Via Láctea



"Ora (direis) ouvir estrelas! Certo
Perdeste o senso!" E eu vos direi, no entanto,
Que, para ouvi-las, muita vez desperto
E abro as janelas, pálido de espanto...

E conversamos toda a noite, enquanto
A via-láctea, como um pálio aberto,
Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,
Inda as procuro pelo céu deserto.

Direis agora: "Tresloucado amigo!
Que conversas com elas? Que sentido
Tem o que dizem, quando estão contigo?"

E eu vos direi: "Amai para entendê-las!
Pois só quem ama pode ter ouvido
Capaz de ouvir e de entender estrelas".



Este poema é do livro "Via Láctea", de Olavo Bilac. Já a foto encontrei por acaso dois dias atrás, e sou sincera em dizer que, por um instante, voltei no tempo ao vê-la. Uns dez anos, mais ou menos.. eu na sacada de casa, olhando para o céu atenciosamente, procurando a segunda estrela a direita, a qual eu deveria seguir direto até amanhecer. Sim, o navio voando no céu me lembra a história de Peter Pan, minha favorita quando criança. Até hoje lembro de um pedaço da música do filme, era mais ou menos assim: 


" A linda estrela no céu, lá à direita diz: seus sonhos vou realizar e serás feliz... "

Era o próprio Peter Pan que me guiava. Ou eram as estrelas? Quem sabe?!

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

despertar.


Cinco e quinze da manhã o relógio desperta e você torce para que a hora esteja errada. Confere e calcula que, se dormir mais dez minutos, pode passar o rímel no ônibus. "mas vai borrar.. ah, não dá nada". Resolvido: mais dez minutos.

Cinco minutos passaram e você ainda não dormiu, preso por resquícios do sonho. O que era mesmo?
"que droga, não vou lembrar". Como é difícil lembrar do que passa pela mente enquanto dormimos e, quando lembramos, por que será que alguns são tão estranhos? E outros tão reais? Tão sufocantemente tentadores? Às vezes me preocupa a ideia de que o sonho é o prolongamento do pensamento.

Ainda deitada, passa pela cabeça todas as coisas que 24 horas exigem de você. As pessoas, as aulas, os livros, os cafés, as luzes. As preocupações, as cobranças, os objetivos. E os sonhos: os acordados e os dormidos.

Dez minutos.

O mundo lá fora já começou faz tempo, muito antes do seu celular despertar. Os passarinhos já cantam perto da janela e o cachorro insiste em mostrar aos gatos quem é o dono do pedaço. No centro, as buzinas, a fumaça, as pessoas - todos no devido lugar, no devido horário. O lirismo comedido, bem comportado; o lirismo funcionário público com livro de ponto expediente, protocolo e manifestações de apreço ao sr. diretor.


Já passaram quinze minutos e não tem mais jeito, hora de fechar os olhos e criar coragem. Os braços já afastam as cobertas e as pernas, no automático, começam a levar o corpo para cima. O edredom revirado, o travesseiro ainda quente. Tudo perfeitamente desorganizado. Tudo aconchegante, exceto o celular que insiste em gritar te lembrando que é hora de despertar.

e a imagem é daqui.

sábado, 4 de agosto de 2012

Eu quero mais



"Muito mais. Mais amor. Mais gente fina, elegante e sincera. 
Mais contas pagas. Mais unhas fortes. Mais bunda lisinha. Mais coxas firmes. 
Mais beijos na bochecha, na testa e na boca. Mais beijos de língua. Mais beijos de cinema. 
Mais gente que cuida da própria vida. Mais liquidação.

Mais bom dia, boa tarde e boa noite. Mais educação. Mais com licença, de nada, me desculpa, obrigada, por favor. 
Mais livros. E mais leitores. 
Mais cheirinho de casa limpa e roupa nova. Mais feriado. 
Mais dias de sol e vento no rosto. Mais outono e primavera. 
Mais namoro. Mais mãos dadas. Mais abraços acolhedores. 
Mais conforto. Mais carinho nas costas. Mais massagem nos pés.

Mais dinheiro achado no bolso da calça. Mais água de coco e espumante geladinhos. Mais Pringles e Doritos. 
Mais shampoo que deixa o cabelo brilhoso. Mais segurança. Mais ar-condicionado.
 Mais saúde para dar, vender e emprestar. Mais cama boa para deitar. Mais banhos de banheira com espuma. 
Mais rímel que não borra. Mais calça que não aperta. Mais sapato que não machuca.

Mais soninho depois do almoço. Mais pôr-do-sol. Mais lambida de cachorro. Mais conversa para resolver os problemas.
 Mais respeito de telemarketing. Mais respeito no trânsito. Mais respeito no condomínio. Mais respeito na fila do banco. Mais respeito. E ponto.

Mais amor ao falar. Mais paciência ao ouvir. Mais cautela ao lidar. Mais roupa bonita no closet. Mais amigos de verdade. Mais sorrisos de verdade. Mais amores de verdade. Mais verdade. E só.

Mais programa bom na televisão. Mais pessoas de boa índole. Mais atenção nas pequenas coisas. 
Mais decência ao se vestir. Mais silêncio no cinema. Mais condições em hospitais e escolas. 
Mais noção na cabeça de presidente, governador, prefeito, deputado e vereador. Mais gente ajudando pessoas e bichos. 
Mais punição para quem faz o mal. Mais chances para quem se mata de tanto trabalhar. Mais criança na escola. Mais pais conscientes. Mais gente que bebe e pega táxi.

Mais amor próprio. Porque antes de amar qualquer coisa ou pessoa você tem que amar você mesmo primeiro."